Este mês marcou um ano desde a realização das articulações políticas e jurídicas que culminaram na obtenção da liminar judicial favorável para crianças e adolescentes autistas na Bahia, fruto da iniciativa da Presidenta do Centro Palmares Tatiane Souza, Fabiana Eloi de Amorim do Grupo Ginga e a Defensoria Pública do Estado da Bahia através de Dr. Alan, Dr. Eduardo e Dr.Renato, atualmente a ação coletiva conta com mais de 30 grupos de famílias atípicas envolvidas no movimento.
Retrospecto de crescimento e mobilização
A ação coletiva teve início quando a Defensoria Pública entrou com uma Ação Civil Pública, acompanhada de um pedido de tutela provisória de urgência, contra o Estado, o que resultou na ação coletiva e no ganho da liminar que previa a responsabilidade do governo do estado na garantia da terapias multidisciplinares para crianças e adolescentes autistas, em rede pública ou privada.
O objetivo é garantir o acesso regular e contínuo a tratamentos multidisciplinares conforme o protocolo TEA para crianças e adolescentes autistas. Isto em um cenário no qual as famílias não estavam mais conseguindo sequer entrar na fila de espera para o atendimento.
Após uma série de manifestações da ação coletiva em prol do tratamento de crianças e adolescentes autistas na Bahia, o Estado Baiano ainda não cumpriu a liminar judicial. através de reuniões o governo respondeu propondo um atendimento inicial de 30 minutos de terapia uma vez por semana, algo que não foi solicitado pelas mães, entre os pedidos mais urgentes por exemplo estavam os mutirões de atendimento para as crianças que ainda não possuem laudo técnico, nenhum mutirão foi realizado, hoje, mais de cinco meses se passaram desde que Miwky e Monique Reis do Núcleo AtipiCidades do Centro Palmares elaboraram um plano de ação (disponível abaixo na íntegra) para colaborar com iniciativas do governo para o cumprimento da decisão judicial, porém ainda sem respostas concretas.
Atividades ao longo do ano
O período desse ano desde a obtenção da liminar até o presente momento foi marcado por diversas ações de mobilização, atos, reuniões, formações e eventos importantes dos grupos de mães e famílias atípicas para seguir cobrando ao governo o cumprimento imediato da liminar, as contrapartidas do governo estadual tem sigo alvo de críticas pelos grupos e caminham a passos lentos para uma real transformação do cenário ainda difícil de atendimento.
Em meio as dificuldades cotidianas enfrentadas os grupos seguem em reuniões e realizando articulações em conjunto, conseguindo unir cada vez mais os grupos de famílias atípicas na Bahia pela luta da garantia de direitos e valorização da dignidade, com avanços no direito ao lazer, em parceria com o Centro Palmares e grupos como Autimais e Ativos no TEA, foram realizadas ações como o Natal Atípico, na estruturação de políticas públicas em cidades como Catu com o NAS-Núcleo AtipiCidades de Ação social, Ilhéus e Lauro de Freitas, no campo político-social com a nomeação de Miwky e Fernanda Paranhos para a cadeira de direitos humanos do COMPED – Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de Salvador e Lauro de Freitas.
Plano de saúde para o atendimento de crianças e adolescentes autistas (ou em investigação) no Estado da Bahia (Elaborado por Monique Reis, Miwky Abe, com a colaboração de famílias atípicas da capital e do interior baiano)
INTRODUÇÃO
Autismo é atualmente uma das condições humanas mais proeminentes e amplamente discutidas. O aumento na sua prevalência nos Estados Unidos chamou a atenção da sociedade, com reconhecimento mundial. Muita discussão envolve a conceitualização de autismo como uma deficiência ou como um conjunto único de habilidades que podem ser vistas como pontos fortes (Urbanowicz et al., 2019).
Apesar de ambas as afirmações serem verdadeiras, também se constata muitas dificuldades no curso de vida de muitos indivíduos com autismo, desde a infância até a idade adulta, sendo um período desafiador para eles e suas famílias (Shattuck et al., 2018). Nos esforços para ter um impacto positiva na trajetória de vida desses indivíduos, profissionais de intervenção precoce, escolas, clinicas e outros programas de serviços têm buscado práticas que podem ser mais efetivas para trabalhar com crianças e jovens com autismo.
O aumento na prevalência do autismo intensificou a demanda por ações educacionais e serviços terapêuticos efetivos, as intervenções baseadas em ciência têm fornecido muitas evidências que produzem resultados com impactos positivos. No plano a seguir, destacamos pontos, diretrizes e prazos para que o Estado da Bahia, por meio da sua Secretaria de Saúde, venha sanar as faltas da pasta para com a comunidade atípica, nos seus 417 municípios. Assim como preconiza lei desde a garantia dos Direitos Fundamentais na Carta Magna, nos itens relativos presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente e também assegurados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência e por último, em liminar favorável na Ação Civil Pública de nº.8098147-04.2023.8.05.0001.
Urge uma postura mais específica do Governo da Bahia, visto às peculiaridades e necessidades do grupo atípico baiano. Portanto, nasce este plano do seio das organizações da sociedade atípica que o Estado ainda nem contabilizou, mas que não consegue mais aguardar passivamente o andamento de filas intermináveis, nos parcos centros de atendimento. No que seguimos apontando essas questões, como saná-las e a que prazo, exatamente de acordo com dados da (falta de) prestação de serviço de saúde gratuita conduzida pelo governo.
1- FACILITAR ACESSO E ESTABELECIMENTO DE PROTOCOLO PARA DIAGNÓSTICO PRECOCE (NEUROPEDIATRAS) E/OU DIAGNÓSTICO TARDIO (NEUROLOGISTAS).
O quê: - muitas crianças e adolescentes estão desassistidos para a investigação de autismo, desde a aplicação de exame neuropsicológico (entre outros) à consulta com o neuropediatra/neurologista ou mesmo o psiquiatra (infantil ou para adolescente), a fim de composição do laudo e indicação das terapias de que o indivíduo diagnosticado necessitará no formato personalizado descrito por estes profissionais médicos.
Como sanar esta falta: - o Governo do Estado da Bahia deve mobilizar entre a sua rede médica, via SESAB, a quantidade de profissionais médicos descritos que sejam aptos para disponibilizar tais avaliações e medidas, de forma e em locais mais facilitados para a população atípica.- Na insuficiência de profissionais médicos disponíveis em sua rede, o Estado deve iniciar a contratação via concurso público; estabelecer parceria com a rede particular de saúde, que cederá cotas de atendimento. -Também poderá recorrer aos acordos de cooperação técnica com entidades como ONG’s, OSC’s, OSCIP’s, clínicas-escola que reconhecidamente já prestem este serviço para a população, a fim de ampliar profissionais médicos, bem como locais de atendimento nos 417 municípios (e a depender da necessidade de abrangência, nas microrregiões).
Quando: em curtíssimo prazo, à vista das obrigações legais.
2- ACESSO ÀS TERAPIAS COM EQUIPE MULTIDISCIPLINAR (FONOAUDIÓLOGO, FISIOTERAPEUTA, TERAPEUTA OCUPACIONAL, MUSICOTERAPEUTA, PSICÓLOGO E EQUOTERAPEUTA) E GARANTIA DO TEMPO DE REALIZAÇÃO DAS MESMAS DE MANEIRA SUFICIENTE, CONDIZENTE COM O RECOMENDADO EM LAUDO.
O quê:- por vezes, quase que via de regra, assim que consegue laudo ou mesmo acesso às terapias multidisciplinares preconizadas, o autista criança não consegue inserção nesta terapêutica prescrita pelo médico. Quando consegue o acesso, quase nunca é em sua totalidade ou mesmo, o tempo de cada sessão é sempre muito diminuto ou espaçado na semana, quinzena ou mensalmente. Essa realidade para o autista adolescente é ainda mais dramática. Praticamente ele não acessa nenhuma terapêutica que deveria ser garantida pelo SUS, por intermédio do Estado.
Como sanar esta falta:- o Estado deve mobilizar entre a sua rede, via SESAB, locais que possam reunir a maior quantidade dos profissionais multidisciplinares apontados, que sejam aptos para disponibilizar as sessões terapêuticas, de forma, tempo (como prescrito em laudo) e em espaços mais facilitados para a população atípica. Lembrando que a lei indica que deve ser preferencialmente num único local, reunindo profissionais de toda a equipe multidisciplinar e próximo à residência de cada assistido atípico.- Na insuficiência dos profissionais disponíveis em sua rede para formar essas equipes, a Secretaria de Saúde da Bahia deve iniciar a contratação via concurso público; estabelecer parceria com a rede particular de terapêutica multidisciplinar, que cederá cotas de atendimento. -Também poderá recorrer aos acordos de cooperação técnica com entidades como ONG’s, OSC’s, OSCIP’s, clínicas-escolas que reconhecidamente já prestem este serviço para a população, a fim de ampliar locais e profissionais de atendimento nos 417 municípios (e a depender da necessidade de abrangência, nas microrregiões).
Quando: em curtíssimo prazo, à vista das obrigações legais.
3- DIFÍCIL ACESSO AOS EXAMES: LABORATORIAIS PARA PESQUISA GENÉTICA, IDENTIFICAÇÃO DE ALERGIAS ALIMENTARES, DESCARTE DE OUTRAS SÍNDROMES E DOENÇAS
O quê: - Os exames descritos auxiliam e agilizam que os neuropediatra/neurologista e profissional da psiquiatria (infantil e para o adolescente) confirmem ou descartem diagnóstico de autismo. Contudo, são exames caros e difíceis de acessar ou ainda, de realizar dada às especificidades do formato em muitas vezes condições que são propriamente apresentadas no autismo. Por vezes, por exemplo, o paciente precisa estar sedado ou fazer diversas tentativas até se conseguir recolher amostras ou expectativa comportamental do paciente.
Como sanar esta falta:- o Estado precisa ampliar a sua rede de laboratórios e capacitação de profissionais que manejem, a contento, a realização de acordo às especificidades descritas.- também deve recorrer à iniciativa privada, através de acordos de cooperação técnica ou de prestação de serviço, a fim do estabelecimento de cotas de atendimento, realização dos exames, além da disponibilização dos resultados de forma mais facilitada para a comunidade atípica.
Quando: em curtíssimo prazo, à vista das obrigações legais.
4- CONSTANTES FALTAS NA DISTRIBUIÇÃO DE MEDICAMENTOS E DIFICULDADE EM ACESSAR REMÉDIOS DE TERCEIRA GERAÇÃO, QUE REPRESENTAM SIGNIFICATIVA QUALIDADE DE VIDA DO AUTISTA, COMO POR EXEMPLO, A REDUÇÃO DE EFEITOS COLATERAIS DE CURTO, MÉDIO E LONGO PRAZOS (EXEMPLO: CANABIDIOL E ARIPIPRAZOL).
O quê: - muitas das medicações alopáticas são de uso contínuo e controlado. A administração faltosa destes remédios na distribuição, pode gerar diversos inconvenientes ou mesmo graves consequências, desde a ocorrência de crises até a regressão do nível de suporte do desenvolvimento cognitivo/comportamental. Além disso, o acesso aos chamados “remédios de terceira geração”, que reduzem o efeito tóxico e colateral geral na saúde do autista e possibilitam reais ganhos desenvolvimentista do indivíduo é deficiente ou desconsiderada como possibilidade na política do Governo do Estado da Bahia, diferente do que pensa e pratica a administração soteropolitana, bem como a de algumas cidades do interior baiano e outros estados do país.
Como sanar esta falta: - regularizar os estoques e sistemas dos locais de distribuição.- ampliar locais de distribuição dos medicamentos para as clínicas de atendimento médico-terapêuticos (postos de saúde, centros de referência e os de excelência) da rede e conveniados.- adotar nova política para a adoção dos remédios de terceira geração como o aripiprazol e o canabidiol.- difundir protocolos e burocracias mais simples para acesso desses medicamentos pelos pacientes autistas.
Quando: curto, médio e longo prazo.
5- GARANTIR SAÚDE ODONTOLÓGICA ESPECIAL E DE EMERGÊNCIA PARA A COMUNIDADE ATÍPICA E SEUS FAMILIARES
O quê: - devido às especificidades desta comunidade como a necessidade de sedação para procedimentos ou por muitas vezes o paciente não conseguir verbalizar dores, é necessário que haja tratamento especializado, diretivo e de emergência a fim de tratá-los com dignidade. - estende-se a necessidade de também atender a seu cuidador, quando for ele com as necessidades e urgências odontológicas, talvez precise levar o autista tutelado por não ter com quem deixá-lo em segurança para se tratar.
Como sanar esta falta:- abrir salas específicas para estes atendimentos nas ubs já existentes e apenas capacitar profissionais mais acolhedores na sua própria rede.- abrir centros odontológicos de mesma especificidade nos 417 municípios ou mesmo nas microrregiões, abrindo concurso público para profissionais capacitados para as demandas da clientela atípica.- consolidar acordos de cooperação técnica com a rede privada, ongs, osc’s, ocip’s e clínicas-escola que já ofereçam a especificidade do serviço, cedendo cotas de atendimento para autistas e cuidadores.
Quando: curto, médio e longo prazo, às vistas das obrigações legais até aqui descumpridas.
6- SUPORTE TERAPÊUTICO E ORIENTAÇÕES PARA AS FAMÍLIAS ATÍPICAS (ATENÇÃO A SAÚDE DO CUIDADOR E MANEJO DO CUIDADO DA PESSOA COM AUTISMO EM TODOS OS AMBIENTES)
O quê: - quando a família recebe o diagnóstico de autismo em sua criança ou adolescente, é um baque emocional forte. Essa instabilidade precisa ser cuidada e às vezes, ela pode carecer de mais tempo para apropriação do diagnóstico e desenvolvimento de aptidão para tornar-se um cuidador atípico.- amparo terapêutico mais longo também é indicado, visto que não é fácil conseguir cuidar de uma criança ou adolescente atípico, lidando com suas próprias questões, abdicação de sonhos e constantes frustrações dadas pelo preconceito e exclusão do ente atípico na sociedade.- por vezes, no momento do diagnóstico dos filhos, também os pais podem se identificar com um autodiagnóstico.- assistência para os conhecimentos de direitos da pessoa com TEA.
Como sanar esta falta:- o Estado precisa estabelecer um protocolo para a concessão cuidadosa e acolhedora do diagnóstico por parte de quem se tornará um cuidador atípico.- fornecer apoio psicológico através da rede pública ou conveniados da rede particular, no mesmo local onde o diagnosticado receberá atendimento médico-terapêutico e em mesmo momento.- protocolo de investigação de autismo nos familiares de primeiro grau do paciente autista diagnosticado.- contratar assistentes sociais em locais de atendimento da comunidade atípica em sua rede e nos conveniados
Quando: curto prazo, à vista das obrigações legais.
7- OUTRAS DEMANDAS DA ÁREA:
Elaboração de cartilha a ser distribuída pela Sesab nos órgãos públicos, entre os centros de atendimento públicos e conveniados para melhores práticas no cuidado da saúde do autista. Uma espécie de “o que fazer se precisar atender um autista, sua família e como garantir seus direitos à saúde.” - garantir a construção e reforma céleres de centros de referência e centros de excelência para o tratamento da pessoa no transtorno do espectro autista.- garantir o mesmo tratamento de pessoas com TEA que estejam em situação de vulnerabilidade, miserabilidade e morando na rua.- contabilizar periodicamente a população com TEA do Estado da Bahia e disponibilizar a transparência e o acesso a estes dados por qualquer pessoa.- mobilizar uma comissão de fiscalização dos locais e atendimentos prestados por cada pessoa com TEA da Bahia, em todo o território baiano.
Comissão formada majoritariamente por cuidadores/familiares atípicos, autistas (independente do nível de suporte, desde que se voluntarie) e organismos que lidam com a causa do autista na Bahia, além de técnicos da área de saúde, do judiciário e algum membro de governo.- propiciar transporte para o deslocamento do paciente autista para seu tratamento médico-terapêutico, quando por razões da necessidade deste cuidado ser dado fora da sua cidade de domicílio. Salvador, Setembro/2023.
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